Ser traído dói. Isso é indiscutível. Depois da decepção inicial e de muito choro, chega a hora de pensar o que fazer sobre a infidelidade do seu parceiro. É neste momento que entra em cena a famosa questão: Quem trai uma vez, trai sempre? Para respondê-la, teremos que deixar de lado o julgamento moral e tentar entender onde tudo começou- e claro que Froid tem algo a nos dizer sobre isso.
Em seus escritos, Freud fundamenta o tema da infidelidade pela perspectiva dos conflitos experimentados pela criança no Complexo de Édipo. Esse importante processo é imprescindível para a formação da psique infantil e impactará suas ações e comportamentos na vida adulta- e suas escolhas pelos objetos de desejo não ficam de fora dessa influência edípica. Na psicanálise, entende-se que o olhar sobre a traição não pode se esgotar no aspecto moral, mas sim compreender a fundo a motivação do comportamento infiel na história de vida desse indivíduo.
As formas pelas quais nos relacionamos são produto de um período histórico e sofrem grandes influências culturais, e a infidelidade e a forma com que entendemos e lidamos com esse fenômeno também é produto de um período específico. Diferentemente de outras culturas, o Ocidente trata a traição como uma falha moral, como um afronte à uma norma social que não deveria ser desafiada. A clínica psicanalítica entende que o desejo pulsional nunca é totalmente controlado pelo social – a infidelidade se torna um fenômeno complexo, resultado de uma mediação entre as determinações sociais e os aspectos intrapsíquicos.
Para a psicanálise, o amor surge desde cedo. É na relação entre mãe e bebê que temos os primeiros passos do desenvolvimento do aspecto afetivo. Esse sentimento evolui até atingir sua maturação no amor sensual adulto e necessita passar por um longo período de desprendimento do ego narcísico para se ligar à um objeto que será sua fonte de desejo e de investimento libidinal.
Freud entende que o amor é uma tentativa humana de alcançar a felicidade e é natural que esse sentimento se torne um aspecto central em nossas vidas. Amar é transformar um objeto externo e incontrolável – o outro – em uma grande fonte de expectativa e felicidade. Ao colocar nosso coração nas mãos de terceiros, inconscientemente estamos nos expondo a um potencial sofrimento que não cabe a nós controlar.
Na abordagem psicanalítica, o fenômeno da traição é muito anterior ao amor maduro e à idade adulta. A criança centraliza seu afeto no cuidador, e se sente onipotente no amor do outro. Assim, quando o filho ganha um irmão ou vê seu cuidador investindo sentimentos à um terceiro, surge um sentimento de traição. O afeto que era dela passa a ser de outro. A relação romântica adulta passa, então, a ser um substituto para essa traição simbólica que ocorreu na infância.
A traição é entendida como uma vingança do sofrimento infantil. Essa falha no desenvolvimento edípico faz com que a criança internalize um objeto afetivo faltante, insuficiente. A dor sentida na infância se materializa em um escudo para a intimidade – se ter um relacionamento fiel e maduro é também se mostrar vulnerável ao sofrimento, o infiel prefere se afastar e se proteger da dor. Evitar o estabelecimento de um vínculo fusional é evitar estar preso a uma relação: cria-se um medo imobilizador de não ser o traidor, mas sim o traído.
Ainda sim, devemos entender o desenvolvimento psíquico como um processo incessante, que a todo o momento se transforma e pode evoluir. Do contrário, a psicoterapia seria em vão e negaríamos toda a possibilidade de adaptação e transformação da nossa psique e comportamento.
Errar uma vez não significa insistir sempre no erro, mas sim ter a possibilidade de elaborar e visitar as falhas e defeitos. Por isso o acompanhamento terapêutico é tão importante: com a escuta certa de um profissional para auxiliar na elaboração das dores, todos temos chances de evoluir individualmente e, enfim, evoluir ao lado do outro.
Nadia A. Bossa
CRP: 48.273-9