Dra. Nadia Bossa

NARCISISMO MATERNO, COMPLEXO DE ÉDIPO & SUPEREGO E ID EM: “CISNE NEGRO”

“Cisne negro” é, com certeza, uma das obras mais repletas de significado para a Psicologia- em uma estranha coincidência (ou não), Natalie Portman, que ganhou um Oscar de melhor atriz pela sua atuação fenomenal no papel de Nina, é formada em Psicologia em Harvard. São muitos os conceitos psicanalíticos presentes no longa, que se estendem desde o Complexo de Édipo e o Narcisismo Materno até “Neurose, Psicose e Perversão”, de Freud. E o melhor de tudo: o ballet ilustra com maestria e beleza todas essas temáticas. É uma obra de arte.

Nina é uma menina despersonalizada que vive para realizar os desejos de sua mãe, Erica. Isso é notado desde o início do filme. É como se Nina não tivesse crescido- ilustrado, com perfeição, pelo seu quarto infantilizado, cheio de bonecas e bichos de pelúcia. Desde as primeiras aparições, Erica revela a projeção das aspirações pessoais numa filha que é vista como um projeto. Bonita e talentosa, a mãe enxerga os próprios sonhos narcísicos frustrados em sua filha: a vontade de se tornar uma bailarina famosa se viu longe quando Erica descobre sua gravidez indesejada, então nada mais típico do que projetá-los em sua menina- que já era mulher.

Erica não teve sucesso no processo de se desprender de Nina ao longo do seu desenvolvimento. Ao nascer, o bebê e a mãe estabelecem uma dinâmica de continuidade entre si, que em dado momento do desenvolvimento e do ganho de independência por parte da criança, vai se atenuando até desaparecer. Não é o que acontece nessa relação entre filha infantilizada e mãe narcisista.

Mesmo contrariando a mãe – como por exemplo, na ida à boate – o olhar repressor de Erica ainda representa muito para Nina. Com o despertar da idade adulta, a questão da sexualidade da filha se torna, então, motivo de repulsa por parte da mãe, que possui dificuldade em enxergar Nina como caminhante entre a ponte que divide a menina da mulher. O simbolismo do balé vem corroborando essa tese: a delicadeza e a pureza simbólicas do estilo de dança parecem também cumprir um papel disciplinador dos instintos sexuais e dos conflitos juvenis, se afastando das pulsões eróticas edípicas. A negação da relação edípica plena – incorporada pela falta física de qualquer figura masculina, assim como pela prisão ao corpo materno – dá origem a essa sexualidade incompleta, dolorida, que busca incessantemente ser completada.

O plano deu errado: o papel do Cisne Negro libera todas essas pulsões reprimidas que viviam em conflito na Psique de Nina. Nesse momento, a personagem descobre uma nova meta de perfeição a conquistar: aos olhos da protagonista, Lily- a nova bailarina da companhia e concorrente ao papel principal da peça- era tudo que Nina não conseguiria ser, características tão importantes para o “papel de sua vida”. Sensual, disruptiva, encantadora, Lily torna-se o novo espelho de Nina, de tal forma que a existência das duas se confunde.

Na relação entre os cisnes e Nina, enxergamos também outros tópicos da teoria psicanalítica: o filme mostra claramente o cisne branco, com toda a sua pureza e perfeição, enquanto uma perfeita alusão ao Superego, ao passo que o cisne negro – volátil, caótico e libidinal – evoca de maneira muito satisfatória o conceito do Id psicanalítico. Freud conceitua essas instâncias mentais como conflitantes: o Id força a liberação libidinal enquanto o Superego usa das suas barreiras para impedi-lo. Esse conflito é bastante nítido no relacionamento que Nina estabelece com Lily: existe, de maneira clara, o vai e vem entre ódio e admiração, repulsa e atração.

O lado das pulsões libidinais de Nina não são alimentadas apenas pelo desabrochar forçado, mas em grande parte pelo diretor artístico, Thomas. O responsável pela peça provoca a garota, instiga sua sexualidade, ao colocá-la à beira da perda do papel dos seus sonhos. A culpa que o Superego da garota emplaca – em especial por ter tido a figura superegóica da mãe como exemplo singular e dominante – é tão grande que racha: as vontades pulsionais tomam conta da personagem. A máscara que Nina vestiu de pureza, negação das pulsões, perfeccionismo e esquiva dos traumas edípicos já não lhe servia mais.

Novamente, a fragmentação de Nina se torna alvo de angústia para o espectador. A busca pelo outro em si mesma faz Nina confundir-se na complexidade da própria psique – novamente, depois de se mesclar e se perder com a mãe e com a colega da companhia, Nina perde-se no Cisne. Misturando a pureza do cisne branco aos pecados do cisne negro em si própria, Nina recebe o mesmo fim que o personagem da obra de Tchaikovsky: a morte.

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