Dra. Nadia Bossa

POR QUE ENVELHECER CAUSA TANTO SOFRIMENTO?

    É fato que cada fase da vida traz dificuldades e possibilidades próprias para o indivíduo. Na infância, temos a liberdade do brincar e da fantasia, ao passo que precisamos lidar com as limitações de um mundo ditado pelo olhar adulto. Na adolescência, a aventura de descobrir a si mesmo contrasta com as imensas dificuldades do processo de entender-se. Durante a idade adulta, o ganho de independência e a imposição das obrigações coexistem nas rotinas dos sujeitos. O processo de envelhecer também possui suas contradições: ao passo que o indivíduo é gradualmente retirado do cansaço das rotinas de trabalho e procura uma maior tranquilidade para seus dias, também precisa encarar grandes sofrimentos desse processo, que é o envelhecer. Mas por que este processo natural causa tanta dor?

    Muitas vezes reduzimos essas transformações às mudanças do corpo propriamente dito, mas o cenário não é bem assim. Muitos idosos e adultos em idades mais avançadas relatam que o porvir da velhice lhes tomam a funcionalidade social – sendo o trabalho, fundamentalmente, um dos grandes fatores que fornecem essa percepção de “utilidade social”. Com a aposentadoria, esses indivíduos sentem que perderam sua função, que sua gama de possibilidades de atividade diminuíram muito, e até que suas vidas perderam grande parte do sentido, afinal, o trabalho ocupava a maior parte das suas rotinas.

    O processo de envelhecimento ainda é marcado por uma grande exclusão social: os idosos são estigmatizados por diversas concepções preconceituosas da velhice, sofrem com problemas mentais e de saúde negligenciados e muitas vezes não possuem suporte financeiro para levar uma velhice tranquila. A vida moderna e urbana, intensamente vinculada à tecnologia, também destituiu os idosos da função histórica de guardiões da memória e de um saber geracional muito importante – algo ainda presente entre os povos indígenas, por exemplo.

    A questão estética ainda se torna uma grande fonte de questões e sofrimentos: uma sociedade que só entende a juventude como a porção ativa – e consequentemente, de interesse – leva muitas pessoas a recusa compulsória do envelhecimento. Sendo o corpo um elemento de análise social, envelhecer não significa mais uma fase da vida entre tantas outras, mas passa a ser vista como um sinônimo de fraqueza. Essa concepção é imensamente equivocada, visto que a experiência de pessoas mais velhas é essencial para todo um funcionamento social: desde a esfera da família até a de produção científica, os sujeitos em idades avançadas cumprem o papel indispensável da sabedoria e da experiência.

    O envelhecimento traz consigo novos desafios. A senescência, nome dado ao processo de envelhecimento saudável, é cheio de sentidos e possibilidades, e se distingue da senilidade, ou seja, aquele processo de envelhecimento adoecido. Em uma sociedade ideal, o idoso teria suas habilidades trabalhadas e suas potencialidades preservadas, com faculdades vivas e um envelhecimento saudável onde os novos desafios da idade seriam facilmente driblados com estratégias, acompanhamento profissional e rede de apoio. O avançar dos anos seria, então, um momento de desaceleração, reflexão e preservação da memória.

    Essa perspectiva das implicações das mudanças biológicas com a velhice ainda são o foco, porém, não findam a questão: os idosos são deixados de lado e passam a ser tratados como um fardo para suas famílias, internalizando essa ideia para si. Os corpos, com menos demandas graças às tecnologias, não são trabalhados e passam por um intenso esquecimento, tendo seu sentido diminuído e suas possibilidades estreitadas. A saúde mental, reflexo multidimensional da complexidade do sujeito, fica deteriorada pelas carências de uma vida vista como sem propósito.

    Não é o envelhecimento propriamente dito que traz o sofrimento, mas o molde de envelhecimento vigente em uma sociedade que busca uma produtividade incessante e descarta aquilo que não se encaixa nessa norma. O passar dos anos é marcado por experiências, lutos, mudanças psicológicas e encerramentos de ciclos – processos que já trazem consigo uma parcela de sofrimento subentendido – mas a impossibilidade de elaboração dessas experiências pelo idoso isolado e negligenciado socialmente fazem com a que a velhice se torne incessantemente faltante – falta de apoio, de energia, de assistência, de saúde, de amigos, de paciência, de amor… A forma em que tratamos o idoso diz muito mais sobre nosso modelo de vida do que imaginamos.

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja Mais

Posts Recentes

Artigos
Nádia Bossa

FREUD EXPLICA: POR QUE ASSISTIMOS PORNÔ?

A pornografia é parte do cotidiano de muitas pessoas. Em um post anterior, já falei sobre os malefícios do consumo do pornô – que vão desde a saúde individual e orgânica do espectador até os impactos afetivos nos relacionamentos amorosos e sexuais – mas hoje, convido à reflexão: por que ainda assim as pessoas assistem pornografia? A psicanálise tem algo a dizer sobre isso?

Leia mais »
Artigos
Nádia Bossa

NARCISISMO MATERNO, COMPLEXO DE ÉDIPO & SUPEREGO E ID EM: “CISNE NEGRO”

“Cisne negro” é, com certeza, uma das obras mais repletas de significado para a Psicologia- em uma estranha coincidência (ou não), Natalie Portman, que ganhou um Oscar de melhor atriz pela sua atuação fenomenal no papel de Nina, é formada em Psicologia em Harvard. São muitos os conceitos psicanalíticos presentes no longa, que se estendem desde o Complexo de Édipo e o Narcisismo Materno até “Neurose, Psicose e Perversão”, de Freud.

Leia mais »
0
    0
    Seu carrinho
    Carrinho VazioRetornar a Loja