O novo filme do Batman, “The Batman” (2022), foi um tremendo sucesso de bilheteria. Apesar de contar com cenas de ação perfeitamente produzidas e efeitos especiais de arrepiar, o que cativou a atenção de uma parcela dos espectadores foi outra coisa: o aprofundamento psicológico dos personagens. Seguindo a tendência de “Coringa”, lançado em 2019, o longa-metragem da Warner Bros apresentou-nos um lado mais sombrio do protagonista- o que fascinou o público, que ansiava por ver um Batman “mais real”, com todas as suas facetas e traumas.
Na obra, temos um Batman extremamente complexo, um Bruce Wayne muito fechado, solitário, com grandes dúvidas e tormentos, que toma para si a missão de se tornar o vingador da cidade, com uma motivação especial: vingar a morte dos pais. É aí que está a explicação para o personagem ter se tornado o que se tornou: o duro processo de perda dos seus genitores. O novo Batman, de Robert Pattinson, sofre um doloroso processo de enlutamento infantil (perdeu ambos os pais em um homicídio violento em Gotham City), e é sobre isso que quero falar com vocês hoje.
Ao desenrolar do filme vemos que, embora Bruce tenha uma condição financeira muito favorável, carece de pontos de referência e tem uma escassa rede de apoio, pautada basicamente em seu mordomo, Alfred. Revolta, tristeza, saudade, confusão, insegurança: esses são alguns dos sentimentos que vemos no protagonista e em crianças que perderam os pais muito jovens.
Para a psicanálise, a morte de um dos responsáveis suscita na criança a quebra do seu sentimento de onipotência, colocando-a frente a uma grande insegurança pelo medo do desamparo. Para Freud, o luto é a elaboração da carência de um objeto faltante: o que antes era um local de investimento libidinal, desaparece. A ligação com o objeto perdido nunca é cortada, mas deve ser reelaborada no luto. O luto é, então, um processo de entendimento e consciência sobre a morte, as impermanências, a falta e a saudade.
A criança ainda possui os objetos de amor – pai e mãe, em especial – muito ligados a si, sentindo a perda de um ente querido como uma perda de um pedaço de si mesma, visto que os pais faziam muito da mediação entre o mundo e o seu interior. Como a elaboração do luto depende de estruturas psíquicas maduras, o luto da criança não se finda durante a infância, mas é levado para a elaboração durante toda a vida. Dessa forma, o luto encontra e se enlaça com conflitos complexos da idade adulta.
Muitas coisas influenciam no enlutamento da criança: a causa e as condições da morte, a comunicação com a criança, a rede de apoio da família, as condições socioeconômicas e as mudanças na rotina são fatores importantes que alteram e modificam esse processo.
O filme retrata bem as inseguranças e tristezas da criança órfã, mas na realidade as sequelas podem ser variadas. As crianças que passam por essas situações tendem a apresentar Transtorno do Estresse Pós-traumático, quadros depressivos graves, dificuldade de socialização, condutas violentas, altos níveis de ansiedade e outros problemas específicos.
Para o tratamento, é importante que os profissionais envolvidos na intervenção busquem por aliviar os sintomas apresentados e buscarem, junto ao paciente, uma procura pelo equilíbrio psicológico, que balanceia a saudade e a falta, ao passo que possibilita um caminhar mais saudável depois dessa experiência difícil.