Nessa semana, abordamos um pouco sobre a relação do narcisismo com a psicanálise e as relações patológicas que envolvem o transtorno narcisista. Por meio do filme Enrolados, da Disney, provoquei uma reflexão sobre a temática tão triste que é o narcisismo materno. Me questionaram nos comentários quais são as consequências dessa relação tóxica para as vítimas, ou seja, os filhos. Vamos falar sobre isso?
O bebê existe no campo da ideia e dos afetos muito antes de se materializar em um organismo. Seja como um sonho se concretizando ou um obstáculo imenso a ser vencido, a gestação mexe muito com os desejos maternos. Para a mãe, dar luz àquela vida que foi gerada por si mesma é quase como estender sua existência a um outro corpo e perder algo que era exclusivamente seu. Soa contraditório falar em divisão ao invés de multiplicação neste caso, não?
Quando bebês, nossos filhos estão sob nossa guarda e tutela integral. Os desejos e personalidade próprios daquela criança estão em plena maturação, mas, pelo obstáculo da idade e daquele momento do desenvolvimento cognitivo, ainda não se manifestam com tanta intensidade. Dessa maneira, decidimos muitas coisas por nossas crianças, e isto é absolutamente normal. Pensamos tanto nesse filho que é quase como se perdêssemos a subjetividade do nosso Eu. Aqui falamos, portanto, em subtração.
Nem sempre o ego consegue lidar com isso. O protagonismo do filho, que se dava por vontade de amor, carinho e atenção, agora, volta-se para a mãe como raiva e inveja. Aquela figura que culturalmente deveria cumprir o papel de amor maior em nossas vidas se torna, então, fonte de uma dor inominável. Você pode discordar, dizendo que este não é o sentimento da maternidade para você, mas lembre-se: estamos falando sobre uma condição patológica.
O filho de mãe narcisista não sofre só pela violência da relação, mas sofre também para entendê-la. Somos criados para não contestar a razão das mães. Somos criados para entender aquele amor e aquelas palavras como algo motivado pela vontade de nos proteger. Então, por que isso dói tanto? O sofrimento dos filhos com mães narcisistas é uma violência quase invisível, mas latente.
Em geral, a relação se torna mais difícil com o passar do desenvolvimento da personalidade da criança. Os gostos e as vontades divergentes, que deveriam ser naturais, se tornam fonte de conflito. Veja: se ao expressar seus desejos, a criança é menosprezada, diminuída e ridicularizada, qual será sua motivação para manifestar isso novamente?
Dessa forma, a baixa autoestima se torna um dos mais frequentes sintomas dos que sofrem com essa situação. A desvalorização dos sentimentos do filho amarra essa dinâmica do narcisismo patológico materno: a vontade de evitar os conflitos cala a criança, gerando imensa ansiedade e frustração. Como a figura da mãe é colocada como uma autoridade incontestável, a vítima não recebe apoio e, ao manifestar sua dor e sofrimento, pode até ser vista como ingrata, insensível e mal-educada.
No filme “Enrolados”, Gothel se mascara como uma mãe que respeita as vontades da filha: oferece uma suposta liberdade, ao passo que critica a vontade da menina de usufruir dessa liberdade. Nessa dinâmica, Rapunzel se sente mal de desejar mais do que a pequena torre de pedra pode lhe proporcionar.
Essa criança, reconhecendo-se como fonte de raiva e desprezo da mãe, se vê numa missão de reparar essa ferida, como responsável por uma dor que não as compete curar. Forma-se, então, um indivíduo excessivamente preocupado e ansioso com as vontades e reações do outro, que renuncia aos próprios desejos para reparar essa incessante vontade de agradar.
Nesse contexto, formam-se adultos que, sensibilizados pelo intenso sofrimento, desaprendem a ouvir suas vontades e não conseguem mais enxergar a estima por si mesmos. E o que somos sem nossas vontades, se são elas que nos diferenciam dos outros e nos fazem percorrer os caminhos que desejamos?
Ainda assim, não devemos entender nosso sofrimento como imutável. Nos transformamos a todo o momento e, por sermos donos de um psiquismo dinâmico, temos toda a possibilidade de encarar a dor como um desafio, e não como um fardo eterno. Com mais de 30 anos de experiência clínica, posso te ajudar a sair dessa. Entre em contato através dos telefones (11)2268-4545 (11)95059-9998.